Hospital.
Barulho, gemidos, corredores lotados, e o quarto parece estar cada vez mais
distante. Faço uma caminhada dolorosa e infinita por entre as macas à procura
do 203. Durante o trajeto, me passa a vida que tive e uma que poderia ter se
não fosse o atraso. Uma vida sem timidez, omissões ou arrependimentos. Uma na
qual diga tudo o que quiser e puder, sem receio, sem medo. Uma vida perfeita com quem mais ama no mundo. Uma vida, dessa vez, sem
erros.
Eis o quarto.
Paro em frente à porta, respiro tão fundo quanto
o vazio no peito e giro a maçaneta devagar com medo do que veria lá dentro.
Entro de olhos fechados, fecho a porta, e todo o barulho que não me incomodava
transformara-se num silêncio ensurdecedor. Ainda virado para a porta, não tenho
coragem de abrir os olhos e dar de cara com a verdade. Respiro fundo mais uma
vez, abro os olhos, e viro-me. O que vejo é a pior cena já vista por mim. Um
homem deitado, com dezenas de parafernálias ligadas a ele, com aparência
defunta. Imediatamente me lavo em lágrimas de desespero. Estático e em prantos,
não sei o que fazer, dizer. A cada vez que tento me recompor, vem-me uma imagem
de um passado próximo e nostálgico. Não consigo aceitar estar na frente dele e
ele tão distante de mim. O silêncio agora é o “bip” entristecedor das maquinas.
Ainda chorando, me aproximo dele, e a imagem que já era ruim fica ainda pior
quando mais perto. Há pouco estávamos em casa conversando sobre o seu dia
turbulento de trabalho, rindo das besteiras que ouviu e reclamando dos ignorantes
que não ligam a seta para a direita e não o fazem.
É o meu pai.
Ainda não sei o que lhe aconteceu. Estava em casa quando ligaram-me e pediram a minha presença aqui. Independente do que tenha acontecido, eu não queria estar vendo-o nesse estado. De uma coisa eu sei, foi grave. Aparenta ser um acidente, o que me deixa mais preocupado ainda. A porta se abre, é o médico. Confirmado, foi acidente. Não me contenho e volto a chorar. Com batimentos extremamente baixos, tubos e fios presos ao seu corpo, o momento mais relaxante do dia, ele acordou. Quando me viu, tentou esboçar um sorriso, mas as dores o impediram. Sorri por ele. Agora, toda a outra vida na qual estava pensando, virara sonho a se realizar. Ele, como se lesse meus pensamentos, tentou levantar o braço, mas, tão difícil quanto sorrir, gesticulou apenas poucos centímetros. Mas antes que o seu braço caísse, agarrei a sua mão e senti toda a sua dor. Foi então que, dentre as milhões de coisas que tinha à dizer, disse a mais propícia ao momento:
- Eu te amo pai.
Não espere um momento difícil pra dizer o que sente à alguém, caso contrário, pode ser tarde demais.
Melancolia da porra. kk