Fim de tarde.
A fria brisa mais parecia um assopro de tão suave, mal levantava o voo das
folhas ao chão. O crepúsculo iniciava-se ao som do meu violão, que tocava
sentado ao cais. O silêncio só não era mais bonito que o som da água. Dedilhava
o violão aleatoriamente enquanto aguardava-a. O sol se punha detrás dos morros,
os pássaros voejavam a caminho de seus ninhos, e casais que ali estavam,
retiravam-se.
Estávamos eu e o violão. Por mais que me distraísse nas músicas,
o tempo não passava. Anoitecia e meu repertório acabava-se junto com o dia. A
brisa transformava-se em ventania, as folhas dançavam em círculos, suspensas ao
ar, o rio parecia acompanhar sua velocidade. É noite, recostei o violão ao
banco do cais e deitei. Ao virar a cabeça em direção ao rio, ouço saltos no
piso de madeira, como num sapateado. Sinto-a encostando, sussurrando à minha
nuca:
- Psiu!
O arrepio
tomou conta de todo o corpo e um sorriso me dominou. Viro-me devagar como se
quisesse manter o suspense, e a primeira coisa que vejo são seus pés. Estes
eram desenhados pelos saltos vermelhos que usava. Subindo os olhos às pernas,
vejo o fim do vestido. Branco, com babados de renda, balançava com o vento e
adornava-a ainda mais. Ainda subindo, vejo o vestido por completo. É ainda mais
perfeito em seu corpo do que imaginei. Enfim, seu rosto. Com o mínimo de
maquiagem, cabelo solto, o mais simples possível, conquanto mais bonita,
impossível. Sua boca sorria junto com seus olhos. Estava perfeita. Quanto mais
a olhava, menos palavras eu tinha pra dizer. Entendíamo-nos sem falar,
concordávamos sem propor, emocionávamos sem chorar. Levantou a minha cabeça,
sentou-se, e a pôs em seu colo. Peguei o violão e, de olhos fechados, voltei a dedilhá-lo
enquanto ela me desvelava. A noite passava e nós apenas olhávamo-nos, como se
bastasse. E veja só, bastava. Satisfez o olhar pra aquela noite valer a pena.
Uma coisa simples, mas de valor imensurável pra nós. Atalhávamos ao máximo
dizer qualquer coisa, evitando quebrar aquela harmonia.
Horas
discorreram, conversamos, rimos, amamo-nos. A noite passava sem pressa alguma,
tal como a vontade de irmos embora. O cafuné já soava como canção, uma linda e
lenta canção. Cochilava ao seu colo sem perceber, sonhando com uma noite
infinita. Os dedos doíam mais pelo frio do que pelo constante dedilhar. O pouco
que dizíamos era sobre os nossos dias e o quão turbulentos foram. Sobre um
passado distante, um futuro próximo. Antes que dormisse em suas pernas,
levantei-me e sugeri uma caminhada, e tal sugestão logo foi aceita. De mãos
dadas, fomos a caminho de sua casa. Enquanto caminhávamos, conversámos
besteiras, uma homília sem sentido, mas que nos aproximava pelas coisas em
comum – sua maioria. Quanto mais tempo passávamos juntos, mais concordávamos
com nosso amor. Tudo que me vinha à cabeça era quando íamos nos ver novamente.
Paramos em sua
porta e logo tratei de marcar um próximo, e o mais breve possível, encontro.
Não hesitou em concordar. Dei-lhe o ultimo beijo antes de pôr-me a caminho de
casa e sem olhar para trás, para que a minha lembrança seja o seu beijo, e não
sua imagem ao longe. Quase de manhã, fui sorrindo tal como um bobo de sua casa
até a minha, com a nostalgia de toda a noite. Se pensava ter sido feliz em um
momento anterior, estava engando, pois tamanha felicidade é incomparável e
única. Mais que amantes, éramos amigos, e isso jamais mudará.
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